terça-feira, 28 de agosto de 2007

O dia em que silenciei aqueles malditos

Você não vai acreditar, mas eu posso provar: pitbuls gostam de John Coltrane. Mais precisamente do disco Ballads, da Impulse. E não só de Coltrane, mas de alguns outros músicos excepcionais.

Como descobri isso?

Foi assim: ontem, como todas as noites, as duas feras que meu vizinho cultiva em casa treinavam sua ferocidade (êpa! Isso dá samba: os pitbuls, grrr/grrr, vinham latindo ferozmente, grrr/grrr). Bem, estavam eles no seu exercício diário de agressões, rugidos, gritos, zurros, bramidos e outros desagradabilíssimos sons caninos que roubam minha paz diuturnamente, quando algum anjo torto, bluzeiro e jazzístico – talvez prematuramente morto num ataque de cães ferozes quando, bêbado e inebriado de blues notes, deixava uma jam session e seguia distraído pelas ruas escuras de um bairro boêmio – me soprou aos ouvidos a idéia que logo pus em prática: aparelho de som na janela voltado para o pátio dos horrores tocando John Coltrane.

Foi tiro e queda. Emudeceram na hora.

Fiquei pasma! Ria sozinha, experimentando um misto de alegria e orgulho de mim mesma, semelhante talvez ao de Arquimedes em seu famoso banho de banheira. Eureca! Como não pensei nisso antes?

Telefonei para o amigo que há anos não via e que um dia me dera o benfazejo CD: obrigada, amigo. Você só me fez bem. E que bem! Ele achou só um pouco de graça, nem lembrava mais do presente e, ainda por ciima, pelo que entendi, estava com uma mocinha por baixo. Desculpe, vai. Eu precisava desabafar minha alegria.

Dentro do silêncio canino, a noite de Santa Teresa ouvia o sax divino de Coltrane tocando as mais lindas canções.
Não deu outra: dormi e sonhei! No sonho via um flautista de Hamelin negro que em vez de fauta tocava sax seguindo à frente de uma multidão de pitbuls pelas ruas do centro da cidade. De repente, estavam todos – flautista e cães – atravessando a ponte Rio-Niterói até o vão central, onde os cães começavam a se jogar no mar, numa cena belíssima: o suicídio coletivo dos pitbuls nunca me sairá da memória.

Estava eu nesse ponto quando o CD acabou. As feras, voltando a sua burríssima natureza, recomeçaram sua rotina e agressões mútuas, intercaladas com ganidos, mordidas e ameaças.

Tentei o primeiro CD que vi na estante: Diane Krall (Live in Paris, Universal Music). Não dei certo. Diane seduziu o Olympia com essas canções, mas não os pitbuls.

Foi aí que tive a segunda eureca da noite: eles rejeitam a voz humana. Foram treinados para isso. Pode ser que mais tarde se acostumem, e talvez eu tenha que começar por João Gilberto, não sei. Não quis arriscar. Coloquei o álbum de piano e flauta do Tomás Improta e da Andrea Ernest Dias. Sucesso.

E para terminar a audição, um pianista chamado Jean -Yves Thibaudet (The Chopin I Love), que os emudeceu de vez.

Do jeito que essa turma é crítica, já posso imaginar o que vem por aí. Vão dizer que eu estou dando um golpe de marketing, com um produto absolutamente insólito: concerto para cães. Mas não vou me abalar com isso. Sabem por quê? Hoje, pela manhã, eles continuavam em silêncio.

Meninos, eu vi!