quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ainda com o cinema na cabeça

Devo esclarecer o que eu entendi por 'atenção ativa', que talvez tenha ficado meio fora de contexto: Carrière vinha falando da inexorabilidade do tempo e da não distinção entre realidade e ficção, no que se refere à memória; de como a verdade histórica é relativa e do papel do cinema nisso tudo; de como uma imagem envelhece ou não, e de como o imaginário é muito mais forte do que a realidade. Pega emprestado a expressão 'atenção ativa', que Böll usa no sentido de não sermos conformistas diante da realidade, isto é, não aceitarmos passivamente tudo, sem questionamento, e transfere isso para a ficção.

De modo que a idéia que me passou foi de que não se deve aceitar o fácil, o digerível, previsível, o lugar-comum, o clichê, o que nos desce pela güela abaixo, tanto nos noticiários quanto nas ficções novelescas.

A ficção – ele está se referindo especificamente ao cinema, mas serve pra tudo – deve ser animadora, estimulante "pois nos força a acordar". O contrário disso é o entorpecimento que vemos hoje em dia, nesses filmes clipados e ensurdecedores, em que os efeitos especiais redundantes servem a uma espetacularização completamente alienante. O cotidiano sem poesia, a que se refere Carrière. Por isso o pessoal da Dinamarca resolveu abolir radicalmente qualquer recurso, para deixar os filmes "no osso". Mas essa é uma outra questão – ou não.

Volto ao Antonioni: minha leitura (há outras, é claro) é de que quando o fotógrafo de Blow up entra no jogo, opta pelo imaginário, ao invés de buscar o referencial, como ele vinha fazendo o tempo todo, tentando desvendar um crime que talvez estivesse mesmo em sua cabeça. A fusão real/imaginário – que só é dada pela arte – aparece no final, na forma daquele jogo de tênis, como uma solução maravilhosa (vc. leu o conto do Cortázar, no qual se inspira o filme?).

Um dos últimos filmes de Antonioni, que ele dirigiu c/ Win Wenders porque já estava doente – Além das nuvens – trata dessa questão: mistura ficção e realidade na cabeça de um diretor em busca de uma história.
O método é exatamente o mesmo de que Carrière fala no livro, quando trabalhava c/ Milos Forman ou Buñuel: "sentir" a realidade, para depois reconstruí-la em forma de ficção. Mas Buñuel é um capítulo à parte.

E, para não deixar de fora dessa discussão o Bergman, que tal a solução de Fanny e Alexander? Ali, a história se resolve na força do pensamento, que produz o incêndio final, e aponta para um futuro feminino, – as mulheres e seu imaginário assumem a companhia de teatro – e uma nova história será contada.

Finalmente, acho, sim, que a geração Paissandu, ao discutir os filmes, bem como to-dos os assuntos, rompeu c/ uma série de convenções e dogmas e pagou um preço bem alto por isso. As limitações e racionalizações eram resultado de circunstâncias históricas e educacionais/culturais – e não poderia ser diferente, ou não seria essa a história.

A verdade é que esses cineastas, mais que ver, nos ensinaram a enxergar: os filmes, as obras, a vida.


Maria Helena Ferrari

Um comentário:

Anônimo disse...

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